Saúde mental

Redes sociais podem estar criando uma cultura tóxica de magreza e dieta em adolescentes

Estudos mostram que a hashtag #weightloss (perda de peso) é a mais procurada pelos usuários da rede social TikTok, que já é a mais utilizada por crianças e adolescentes.

A chegada de redes sociais como o TikTok, com uma oferta gigantesca de vídeos e informações produzidas por jovens e adolescentes, normalmente sem embasamento nenhum profissional ou científico, acende um alerta para o conteúdo que está sendo consumido pelos nossos jovens.

Pesquisas recentes conduzidas nos Estados Unidos (nov/22) acerca do conteúdo do TikTok apontam a hashtag #Weightloss (ou perda de peso) como a mais procurada pelos usuários. É importante lembrar que a rede social é a mais utilizada atualmente por crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos.

Outra pesquisa americana divulgada no início de dezembro de 2022 pelo CharityRx mostrou que 33% da Geração Z consulta o TikTok para obter conselhos sobre saúde antes mesmo de procurar um médico.

Sabe-se que esse tipo de conteúdo relacionado à nutrição e estética pode contribuir para o surgimento de transtornos alimentares e distorção de imagem. Por isso, queremos debater esse tema tão importante atualmente. Vamos lá?

Os seres humanos são influenciáveis

Ao longo da vida, percebemos o quanto os seres humanos são influenciáveis. Isso acontece porque temos necessidade de pertencimento, de nos organizarmos e sermos aceitos pelo grupo social que desejamos fazer parte. 

Desde muito cedo as crianças iniciam esse processo imitando os adultos e através dela vão aprendendo regras, convenções sociais e construindo seu conhecimento. Vygotsky, psicólogo, importante pesquisador da aprendizagem, considera a aprendizagem humana como um processo social.

A adolescência é um período marcado por muitas e rápidas mudanças, e na busca de sua identidade e de seu pertencimento no mundo, os pares adquirem extrema relevância. O medo de ser diferente e não ser aceito pelo grupo gera insegurança e com isso, o adolescente se torna mais vulnerável à influências externas.

O culto à magreza nas redes sociais 

Atualmente vivenciamos um momento de supervalorização das redes sociais na vida de nossos jovens e ao mesmo tempo que isso traz benefícios também pode trazer prejuízos na vida deles. 

A cultura da magreza é vista como um prejuízo que interfere na aceitação e no respeito às diferenças individuais. O corpo magro passa adquirir uma representação simbólica que vem sendo constantemente apresentado nas redes sociais como belo e saudável, funcionando principalmente  como passaporte para aceitação no grupo e sentimento de pertencimento.

No entanto, as redes sociais não apresentam e não necessitam de nenhuma autorização ou compromisso com a ciência na construção desses modelos saudáveis e belos, e ressaltam conhecimentos, as vezes, inclusive equivocados sobre o assunto.

O TikTok, por exemplo, é uma das redes sociais mais acessada por crianças e adultos e reforça essa cultura da magreza exibindo corpos “perfeitos“ e vídeos ensinando a perder peso através de práticas de senso comum, quase milagrosas e prometendo resultados eficientes e rápidos.

O TikTok é a rede social mais utilizada atualmente por crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos, que se iniciou com o compromisso de entretenimento. Hoje, se consolida como fonte de informação e é uma das plataformas mais utilizadas por crianças e jovens brasileiros.

Pesquisas recentes conduzidas nos Estados Unidos (nov/22) acerca do conteúdo do TikTok apontam a hashtag #Weightloss (ou perda de peso) como a mais procurada pelos usuários e segundo os pesquisadores, os conteúdos continham vídeos que atribuíam importante significado ao emagrecimento, reforçando a cultura da magreza e produzidos por pessoas sem formação profissional no assunto e que enfatizavam a magreza como saúde e beleza.

A influenciadora Kim Kardashian, que até então valorizava e representava  uma cultura de corpo curvilíneo, apareceu recentemente na mídia radicalmente mais magra e ainda contou que eliminou 7 kg em 21 dias para usar o vestido da Marilyn Monroe usou em 1962. 

A atitude gerou polêmicas, mas de qualquer forma, como  os nossos adolescentes recebem essas notícias? Kim faz sucesso e essa história circula chamando mais atenção para si e consequentemente despertando o interesses dos adolescentes.

O estilo parece ancorado no retorno da moda de calças de cintura baixa, piercing no umbigo e minissaias e já está se popularizando no Brasil com famosas aderindo ao processo, como Bruna Marquezine e Anitta. 

Na tentativa de se sentirem também valorizados e reconhecidos como as famosas, muitos dos jovens, principalmente os adolescentes de idade mais baixa, tendem a reproduzir o modelo sem no entanto terem conhecimento mínimo para avaliar as implicações desses processos com informações de onde eles costumam ter acesso – as redes sociais – sem nenhuma garantia de um olhar especializado na temática.

E como isso pode impactar a vida de uma adolescente?

Essa cultura pode impactar a vida dos adolescentes das mais diversas maneiras, mas a maior preocupação é que possa produzir distúrbios de autoimagem, chegando até mesmo aos distúrbios alimentares. 

Estudos recentes do Ministério da Saúde indicam que 4,7% da população sofre com transtornos alimentares e essa proporção cresce ainda mais entre os jovens, que atingem um marco de 10%, sobretudo nas mulheres.

Estes costumam eclodir nos primeiros anos da adolescência e podem ser notados alguns sintomas iniciais que quanto mais cedo forem percebidos, menores podem ser os prejuízos na saúde em geral.

Os distúrbios alimentares

Os distúrbios alimentares mais comuns que acometem os jovens em busca desse corpo idealizado são: a bulimia, a anorexia e a compulsão alimentar, originados de dietas restritivas e instantâneas.

Bulimia

A bulimia é caracterizada pela ocorrência do que chamamos de atos purgativos, na tentativa de diminuir a culpa de ter ingerido em excesso ou ingerido algum alimento de um grupo “proibido”. 

A pessoa portadora do transtorno provoca vômitos, faz uso de laxantes e até mesmo a atividade física em excesso pode ser considerada um desses atos. Normalmente ela é mais difícil de ser percebida pelas famílias pois o jovem se alimenta de forma que não chama atenção para algo diferente.

Anorexia

A anorexia é caracterizada pela redução da ingestão de alimentos. Na busca de um corpo idealizado, a pessoa vai diminuindo a quantidade de alimentos que ingere e distorcendo sua imagem. 

Esse processo pode acarretar em consequências difíceis, pois o corpo idealizado e inatingível se aproxima do corpo magro, mas através de sofrimento psíquico e até mesmo prejuízos físicos como desnutrição e desidratação. Se não tratada, a anorexia pode levar à morte.

Compulsão alimentar

A compulsão alimentar é caracterizada pela repetição e ingestão exagerada de alimentos, muitas das vezes como compensação aos momentos de extrema restrição das dietas milagrosas impostas pela busca desse padrão. Pode vir acompanhada da bulimia como tentativa de alívio pelo excesso ingerido.

Os primeiros sinais desses distúrbios podem estar inclusive no acompanhamento de dietas e processos de emagrecimento das redes sociais. Portanto, para as famílias, estar próxima ao jovem para acompanhar quais são os seus maiores interesses, como eles estão se vendo, se sentindo, é uma ferramenta essencial para observar quando esse interesse passou a comandar a vida dele a ponto de estar restringindo seu universo de alimentos e modificando sua relação com a comida.

Sinais para ficar alerta com seu filho ou filha adolescente

- Observe se a relação do jovem com o alimentou mudou, por exemplo, ficando muito tempo sem comer ou comendo em excesso após uma restrição de um determinado alimento ou tempo.

- Interesse excessivo em dietas e restrições alimentares demonstrando conhecimento através de redes sociais e influenciadores.

- Demonstrar e falar constantemente da insatisfação com o seu corpo, rejeitando suas características e valorizando em excesso pessoas que conseguiram resultados milagrosos e rápidos.

- Demonstrar interesse excessivo em rótulos e embalagens de alimentos de forma repentina, querendo informações sobre calorias.

- Mudança de rotina: interesse excessivo por atividades físicas, por vídeos de emagrecimento, por uso do banheiro, isolamento e pouco interesse nas atividades que anteriormente interessavam.

E o que a família e a escola podem fazer nesse momento?

O mais importante diante desses sinais é acolher e ouvir as angústias desse adolescente, através de um diálogo e da desconstrução de uma vida e de modelos tão idealizados. 

A partir disso, o acompanhamento multidisciplinar composto por psiquiatras, psicólogos e nutricionistas e em alguns casos, outros profissionais compondo uma rede de apoio é primordial para que se consiga restaurar a saúde física e mental desse adolescente.

Mas, o mais importante é promover a saúde mental de nossos jovens para que não desenvolvam questões de autoestima e autoimagem que possam funcionar como gatilhos para a busca de idealizações e uma espécie de “fé cega” ao que lhes é apresentado nas mídias e nas redes sociais.

A família, a escola e os amigos podem ser fundamentalmente importantes nesse processo. E algumas medidas podem ser decisivas para que nossos jovens possam conviver com essa idealização da vida propagada e do culto a magreza propagado a todo instante na mídia e nas redes sociais.

Estratégias para promoção de saúde mental e diminuição da influência das redes sociais 

- Desconstrua na rotina a ideia de perfeição e valorize o aprendizado como processo de auto conhecimento e aceitação de suas características, respeitando seu potencial e suas limitações.

- Dialogue com o jovem auxiliando a reflexão e a críticas diante de situações aparentemente perfeitas e atraentes relatadas de forma simples como algo usual.

- Diga “NÃO” ao jovem e estimule-o a dizer não como parte de um processo importante para o respeito a si e ao outro. Dizer não é um exercício fundamental para construção de limites, de manejo das frustrações e ferramenta essencial para garantir a integridade e a sua saúde física e mental. Pode fazer parte limitação e orientação ao uso das redes sociais, principalmente aos adolescentes mais novos.

- Fortaleça sua autoestima através de incentivos e elogios ao esforço e a busca do que deseja. Critique atos e não a pessoa, através de reflexão sem julgamentos e comparações. Isso contribui para que ele resista a pressão dos seus pares.

- Demonstre curiosidade em conhecer os assuntos que despertam interesse. Se possível, assista filmes, séries, veja e interaja com ele nas redes sociais, orientando e estabelecendo limites nessa relação.

- Estimule o contato desse jovem com grupos diferentes e invista em proporcionar a eles oportunidades de estarem presentes em diferentes interações. Isso também permite um fortalecimento e uma sensação de não perder seu “eixo” em caso de comprometimento ou pressão por parte de alguns grupos. Muitas vezes o jovem centra sua atenção em um grupo muito específico e o risco de perder esse grupo pode desencadear medos e fragilidades.

Conclusão

Valorize o encontro de cada um com seu próprio eu, respeitando e aceitando as suas diferenças e as características individuais. 

Essa é a melhor forma para que se combata e desconstrua a ideia de que modelos perfeitos existem e que a vida é maravilhosa 24 horas por dia, que valoriza o resultado final idealizado e inalcançável e desvaloriza o auto conhecimento e a valorização de cada um enquanto sujeito único e diferente de qualquer outro.  

Referências

https://www.medicina.ufmg.br/transtornos-alimentares-crescem-entre-os-jovens/

Escrito por
Claudia Ferreira

Psicóloga pós-graduada em Psicopedagogia, Claudia possui 30 anos de experiência em psicoterapia com foco em crianças e adolescentes. Desde 2010, atua como psicóloga da rede de ensino Pensi (Eleva), no Rio de Janeiro.

Conheça a Coala e saiba como podemos ajudar sua escola
Quero conhecer