Doenças e sintomas da infância

Quando introduzir alimentos alergênicos às crianças?

Leite de vaca, amendoim, camarão... Esses alimentos alergênicos devem ser oferecidos às crianças? Se sim, em qual idade? Saiba o que dizem os estudos.

Que a introdução alimentar no bebê deve ocorrer a partir dos 6 meses de idade, de acordo com os seus sinais de prontidão, todos os papais e mamães já sabem. Mas e quanto aos alimentos alergênicos como crustáceos, algumas castanhas, leite? Quando devem ser introduzidos?

Todo mundo já conheceu alguma pessoas alérgica a camarão. Mas saiba que existe uma categoria muito maior de alimentos considerados alergênicos. Os alimentos com maior potencial antigênico, logo, alergênicos, são aqueles cujas proteínas são de difícil digestão: leite de vaca, soja, amendoim, trigo (glúten), ovos, peixes e frutos do mar (camarão) e oleaginosas (castanhas, nozes, etc).

A incidência de doenças atópicas pediátricas cresceu nas últimas décadas. Na tentativa de conter o aumento da alergia alimentar (AA) ao longo dos anos, estratégias de prevenção vêm sendo implementadas, dentre elas, mudanças nos hábitos alimentares, notadamente na introdução alimentar no primeiro ano de vida.

Nos anos 90, retardar a introdução dos alimentos mais alergênicos na dieta da criança foi a estratégia mais adotada. Entretanto, essas recomendações não foram cientificamente sustentadas à medida que novos estudos foram surgindo e sugerindo se não seria o consumo precoce de alimentos alergênicos o melhor caminho para a indução da tolerância oral.

Mas antes de falarmos sobre qual o momento ideal para introduzir esses alimentos, precisamos entender o que pode levar o bebê a apresentar essa perda de tolerância.

Por que algumas crianças tem alergias alimentares e outras não?

Quando entramos em contato com alimentos, pode ocorrer uma alteração na tolerância a este alimento seja por imaturidade imunológica, seja por alterações na microbiota intestinal, que ocorre principalmente em bebês. É aí que desenvolvem-se as “alergias alimentares”.

Sabe-se que a resposta imunológica contra determinado antígeno depende de vários fatores: predisposição genética, tipo de antígeno, competência do sistema imune, integridade orgânica funcional e o equilíbrio nutricional, além de fatores ambientais.

Os principais fatores que predispõe à hipersensibilidade e alteração do sistema imunológico para o organismo não reconhecer um antígeno (substância estranha ao organismo), são dependentes do comportamento alimentar.  

Quando falamos em alergia no bebê em introdução alimentar, devemos levar em consideração como foi a exposição deste bebê à proteínas alergênicas durante a gestação, na amamentação e também a história alimentar da mãe nos períodos que antecederam a gestação.

Em que momento deve se iniciar a introdução desses alimentos?

A introdução de alimentos considerados “alergênicos” deve acontecer durante a janela imunológica, período em que o sistema imune do bebê está se desenvolvendo e, por isso, está mais propenso a aprender.

Na maior parte das vezes, esse período ocorre entre os seis meses e um ano de idade. Nessa fase há uma menor probabilidade do bebê desenvolver alergias a determinados alimentos. 

Quando falamos em janela imunológica, é importante que esse início seja feito de forma gradual, principalmente evitando a ingestão de alimentos potencialmente alergênicos de uma vez. Não se deve misturar no mesmo dia vários alimentos com esse potencial. 

Do mesmo modo, não adianta apresentar o alimento alergênico uma única vez ao bebê, e achar que ele já criou suas defesas e não irá responder de maneira indesejada. 

Por exemplo, não basta dar castanhas uma única vez dentro da janela imunológica. É necessário introduzir, e garantir uma regularidade no consumo. Assim o sistema imune reconhece aquela proteína e a considera como normal ao organismo, e não como uma ameaça.

Além disso, não há evidências de que a ordem de introdução dos diversos alimentos sólidos contribua para maior ou menor risco de alergia alimentar. Assim, a introdução alimentar oportuna deve seguir os hábitos dietéticos das famílias, permitindo que a criança tenha contato com todos os grupos alimentares entre 6 e 12 meses de idade. Não há razão para adiar a introdução de alimentos potencialmente alergênicos para além de 1 ano de idade.

Mas entenda que essas orientações são gerais. E como tudo na vida, existem exceções e casos diferente, e sempre deve prevalecer a recomendação do seu médico e pediatra de confiança. 

Casos de introdução de alimentos alergênicos que merecem atenção 

Existem alguns casos que merecem um pouco mais de atenção. Confira a seguir.

  • Genética - No caso da alergia ao amendoim, se um dos pais e/ou irmão são acometidos por ela, a criança tem 7 vezes mais chance de possuir a mesma alergia.
  • Gêmeos monozigóticos - Ainda no caso do amendoim, gêmeos têm 64% de probabilidade de ter a mesma alergia se o irmão gêmeo for alérgico.

Entretanto, pesquisas fundamentam que, por si só, alterações ou fatores genéticos não explicam a prevalência crescente de alergias alimentares.

De acordo com as recomendações internacionais, uma criança de alto risco para desenvolver alergia alimentar é assim definida quando um ou mais membros da família (pais e/ou irmãos) apresentam eczema, alergia alimentar, asma ou rinite alérgica.

O estudo LEAP, em 2015, considerou dois fatores como alto risco para sensibilização e alergia ao amendoim: eczema grave e/ou alergia a ovo.

Outros aspectos são as questões culturais, preferências familiares e riscos específicos, como o medo dos pais de introduzirem o alimento quando o outro filho tem esse tipo de alergia. 

Apesar de tudo, é preciso levar em conta que uma criança considerada de "alto risco" para desenvolvimento de alergia alimentar, não necessariamente, vai desenvolvê-la.

É possível prevenir as alergias?

Estudos clínicos mostram que até 80% das alergias ao amendoim, ovo e leite podem ser evitadas. 

O estudo mais citado foi publicado no New England Journal of Medicine e mostrou que dar pequenas quantidades de amendoim para bebês com frequência e de forma contínua pode minimizar os efeitos da alergia. De acordo com o estudo, das crianças que evitaram o amendoim, 17% desenvolveram alergia ao amendoim aos 5 anos de idade. 

Já outro estudo analisou a alergia ao ovo, e novamente ficou evidenciado que o consumo na fase adequada é mais benéfico do que a introdução tardia como estratégia para prevenção primária da alergia alimentar.

E por fim, mais um estudo, intitulado “Age Differences in Food Reaction Severity During Oral Food Challenges in a Large Pediatric Population” (“Diferenças de idade na gravidade da reação alimentar durante desafios alimentares orais em uma grande população pediátrica”), confirma os estudos citados acima. 

Nele, fica claro que cada mês que você “atrasa” na introdução de alimentos alergênicos, os  riscos para as reações mais graves são aumentados quando comparamos com as crianças que tiveram o contato na fase mais propícia.  

Conclusão

Embora não haja na literatura uma padronização mais evidente ao que consideramos introdução alimentar precoce, e até o momento, não há evidências consistentes de que a introdução precoce, antes dos 6 meses, dos alimentos alergênicos, contribua para a prevenção de alergia a alimentos na população geral, já dispomos de dados suficientes para demonstrar que o atraso na introdução alimentar tem forte associação com um risco maior de alergias alimentares.

Considerando os diversos benefícios do aleitamento materno, sugere-se que a introdução oportuna da alimentação complementar não seja feita antes dos seis meses de vida, mas que, a partir dessa idade, mesmo os alimentos potencialmente alergênicos devam ser introduzidos na dieta, idealmente dentro do primeiro ano de vida, preferencialmente em vigência do aleitamento materno e mantendo-se um consumo rotineiro, respeitando o hábito alimentar da família.

Referências

1. Jackeline Motta Franco, et all. Introdução dos alimentos no primeiro ano de vida e prevenção da alergia alimentar: quais as evidências? Introduction of food in the first year of life and food allergy prevention: what is the evidence? Revista oficial da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia ASBAI. Arquivos de asma , alergia e imunologia Número Atual:  Janeiro-Março 2022 - Volume 6  - Número 1

DOI: 10.5935/2526-5393.20220003

2. BRASIL, Ministério da Saúde. Guia alimentar para crianças menores de 2 anos. Brasília-DF: Ministério da Saúde; 2019. p. 265.

3. Sociedade Brasileira de Pediatria - Departamento de Nutrologia. Guia Prático de Alimentação da Criança de 0 a 5 anos. São Paulo: SBP - Departamentos Científicos de Nutrologia e Pediatria Ambulatorial; 2021. p. 74

Escrito por
Luciana Pereira

Nutricionista com MBA em Gestão Pedagógica, Luciana possui 26 anos de experiência em alimentação escolar atuando como nutricionista de creches e escolas do RJ, como a rede de ensino CEL e o Colégio Franco Brasileiro.

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