Saúde mental

Os sintomas e desafios do TDAH para alunos, famílias e escolas

Você possui ou suspeita de algum caso de TDAH em sua escola ou na família? Confira esse post e entenda tudo sobre esse transtorno!
A imagem mostra uma criança sentada na mesa de estudo na sala de aula olhando para um livro com um lápis na mão.

No último dia 20 de julho de 2022 foi sancionada a Lei nº 14420, que institui a primeira semana de agosto como a Semana Nacional de Conscientização do TDAH - Transtorno do Déficit de Atenção e Hipertatividade. Essa lei tem o objetivo de alertar sobre a importância do diagnóstico e do tratamento precoce do TDAH. 

O TDAH acarreta prejuízos significativos na vida de uma criança, de um adolescente e até mesmo de um adulto. Vemos relatos frequentes de pessoas adultas que chegam aos consultórios de psicólogos narrando sintomas clássicos de TDAH desde a infância, sem diagnóstico e tratamento, resultando em uma disfunção em vários setores da vida por anos.

Se você acredita estar se deparando com um caso de TDAH em casa ou na escola, fique com a gente e aprenda tudo sobre o transtorno.

Uma história real - o caso de João

A mãe de João (nome fictício) marcou uma entrevista com uma psicóloga para falar sobre os comportamentos do filho. Na data da entrevista, a mãe chega muito aflita relatando o seguinte:

“Eu não sei direito o que nem como você pode me ajudar, mas eu preciso ajudar meu filho. Eu tenho medo do futuro, do que pode acontecer com ele e com todos nós porque até meu casamento está acabando já que meu marido diz que eu que não o educo direito. Que eu tenho que dar uma coça para ele nunca mais esquecer, mas eu não consigo acreditar que isso vai resolver e ele já sofre muito. Meu marido diz que se ele sofresse ele não faria mais tudo o que faz, mas o João sempre chora e diz que não queria ser ele. Todos nós estamos sofrendo muito”. 

A mãe diz que João, um menino de atualmente nove anos, sempre foi muito agitado e barulhento. A mãe também percebia isso desde um ano de idade, quando ele começou a andar.  

Com aproximadamente três anos, enquanto estava no meio de outras crianças, todas permaneciam sentadas assistindo a filmes enquanto João sempre estava correndo, pegando brinquedos de outras crianças, e a mãe sempre atrás, pedindo para ele parar. Ele parava por um minuto, mas logo começava a fazer tudo de novo. 

Na escola, na época da Educação Infantil, as professoras diziam que ele saía correndo e fugia da sala de aula. Queria ir para o pátio correr. Ou, então, fazia rápido a atividade e já se levantava para querer outra coisa. 

Aguardar a sua vez sempre foi muito difícil. Nessas horas ele não aceitava esperar e isso sempre criava conflitos com os coleguinhas. Foi quando ela mudou João de escola porque achava que ele já estava marcado e que tudo o que acontecia sempre era por causa dele. Até apelido tinham dado para ele: João Furacão. 

A troca aconteceu quando João ia iniciar a alfabetização e, por isso, seu coração se encheu de esperança, pois ele reconhecia as letras e ela esperava que esses estímulos,  despertassem mais interesses a ele. 

A escola também era mais estruturada, tinha mais espaço, quadras. Mas, rapidamente, tudo deu errado. Desce cedo a professora reclamava do comportamento dele e dizia que ele atrapalhava a turma. 

No final do ano, ele conseguiu aprender a ler e a escrever, mas não queria ler um livrinho. Começava a ler a primeira página e já queria ir para o final. Ela dizia ser engraçado porque ele não lia, mas inventava uma história da própria cabeça olhando a ilustração da última página. 

Assim, ela percebia o potencial do filho, pois as histórias eram muito criativas e coerentes com a primeira e a última página. Mas os trabalhinhos eram incompletos, feitos sem capricho. 

A atual professora reclamava ainda mais que a professora da primeira escola. Eram frequentes as reuniões para reclamar do João e, numa das vezes, quando ela perguntou o que a escola podia fazer para ajudar, a orientadora respondeu que estava chamando para ela fazer alguma coisa e indicou que ele fizesse uma atividade física para gastar energia. 

Foi quando ele demonstrou interesse por ginástica olímpica. De imediato, João se destacou pois como era muito destemido, se lançava com muita garra. Chegou a fazer sucesso no meio das crianças e a mãe relata que pensou que pudesse ser o momento de ter para ele novos olhares. 

Mas, à medida que as dificuldades surgiam, ou em momentos em que ele precisava de mais concentração, João desistia e queria fazer outras manobras, outros saltos. A professora começou a ser mais uma a dizer que João precisava de limites e obedecer às regras. 

A história foi se agravando durante esses anos e João atualmente já mudou novamente de escola, pois sentia que os professores da anterior não gostavam dele. 

Ela reconhece as dificuldades de João melhor que ninguém, sabe a luta que é para fazer os trabalhos de casa. João nunca quer, chora, quer fazer logo para acabar e com frequência, o que poderia ser feito em poucos minutos é realizado em horas. 

Logo após as primeiras avaliações o novo colégio chamou os pais para conversar. Nessa conversa, relataram as percepções muito próximas às do colégio anterior; conversaram sobre João na sala de aula, os conflitos causados com os colegas por não saber esperar sua vez, por interrompê-los, e sobre os resultados das avaliações. 

A diferença dessa vez foi que os profissionais da escola relataram o quanto João era criativo, amoroso e se destacava nas aulas de Música e Computação. E falaram da necessidade de buscar uma avaliação para entender melhor esse funcionamento do João. 

A escola indicou à família que buscasse um neurologista e, após alguns atendimentos com João, com a família, e questionários para escola, o médico disse que João apresenta características compatíveis com o diagnóstico de TDAH. Também solicitou que fosse realizada uma avaliação neuropsicológica, a fim de que o acompanhamento terapêutico o auxiliasse e, simultaneamente, orientasse à nossa família.

Foi esse médico que indicou João para Psicoterapia/Neuropsicologia para avaliar todas as funções cognitivas e poder complementar o entendimento da dinâmica do menino. E foi assim que a mãe de João chegou à psicóloga que mencionei no início desse post.

Mas afinal, o que é TDAH? 

TDAH, como assim é chamado o Transtorno De Déficit da Atenção e Hiperatividade, é um transtorno neuropsiquiátrico reconhecido pela OMS, com grande embasamento científico   que acomete crianças, adolescentes e adultos, independentemente do país, da origem, da condição socioeconômica, da raça ou da religião. 

Estudos recentes apontam que de 5 a 7% da população apresentam o transtorno. No passado, acreditava-se que tinha uma maior predominância nos meninos. Mas, hoje, já se sabe, através de pesquisas, que pelo fato de os meninos apresentarem mais queixas relacionadas ao comportamento, consequentemente são mais encaminhados à avaliação diagnóstica. 

Atualmente, as pesquisas apontam uma proporção equivalente da incidência de TDAH nos meninos e meninas da população em geral.

Para chegar ao diagnóstico, alguns requisitos precisam estar presentes:

  1. Os sintomas precisam ter início antes de 12 anos de idade.
  2. Precisam causar problemas em pelo menos dois contextos diferentes (ex: casa e escola).
  3. Trazer prejuízos significativos à vida de quem apresenta o transtorno.
  4. Os sinais e sintomas não são explicados por outros problemas. 

Quais são os sintomas apresentados no TDAH?

Os sintomas estão relacionados à desatenção, inquietude e hiperatividade. O João, menino que trouxemos na história acima, apresenta muitos deles. 

No eixo da desatenção:

  • Deixar de prestar atenção em detalhes ou cometer erros por falta de atenção;
  • Dificuldade em planejar e organizar atividades, mesmo as rotineiras;
  • Dificuldade de manter atenção ou se envolver em uma tarefa;
  • Evitar, adiar, tarefas que exijam esforço mental mais prolongado;
  • Deixar de concluir o que iniciou, não terminar uma atividade;
  • Dificuldade em se concentrar quando estão falando diretamente com ela;
  • Distrair com o ambiente ou qualquer estímulo à sua volta;
  • Perder as coisas com frequência ou não conseguir estabelecer lugar para guardá-las, e perdendo tempo sem saber onde colocou.

No eixo da hiperatividade:

  • Levantar em situações em que deveria estar sentado;
  • Correr e subir no que está à sua volta;
  • Estar ativo demais, como se tivesse energia em excesso;
  • Dificuldade para esperar a sua vez;
  • Remexer-se e balançar o corpo na cadeira, balançar as pernas;
  • Interromper as pessoas enquanto estão falando ou se meter nas conversas;
  • Responder a alguém antes da pessoa terminar a pergunta;
  • Agitação enquanto está brincando ou jogando, nervosismo com o decorrer da brincadeira.

Para confirmar ou pensar em um diagnóstico de TDAH, é preciso que cerca de 70% desses sintomas se apresentem por um período de tempo prolongado. Por isso, existem pessoas com manifestações tão diferentes, pois são possíveis várias combinações decorrentes da variação de sintomas que fazem parte do transtorno.

Os sintomas no eixo da hiperatividade costumam se manifestar desde a primeira infância, e só por volta de sete anos que os sintomas do eixo da desatenção se revelam com mais clareza. 

Nos últimos anos vários estudos vêm sendo realizados e Russell Barkley em seu livro “TDAH” enfatiza e acrescenta a dificuldade dos portadores de TDAH com a noção de tempo, com o adiamento da satisfação e uma necessidade de ser recompensado aqui e agora.

Esses sintomas, quando combinados, provocam um importante déficit nas funções executivas, envolvendo habilidades de planejamento, de formulação de hipóteses, e flexibilidade para tentar de outra maneira quando os resultados não são os esperados.

Existem tipos diferentes de TDAH? Algum deles é mais grave? 

Antes do manual de diagnósticos em saúde mental (DSM-5), o TDAH era classificado em três tipos: Predominantemente desatento, Predominantemente hiperativo/impulsivo e Combinado.

Porém, pesquisas recentes revelam que as pessoas podem alternar essa predominância. Então, atualmente, não se divide em tipos, mas sim qual predominância ou combinação é a apresentação atual. No futuro, essa mesma pessoa pode apresentar outra predominância.

Quanto à gravidade, o que a define são aspectos combinados que vão muito além da forma predominante. Envolvem questões externas e inseridas no contexto e história de cada um.

Quais são as causas do TDAH?

No passado era comum ouvirmos que as causas do TDAH estavam relacionadas à educação das crianças pelas famílias, e frequentemente os pais eram bombardeados e até deprimiam por perceber que algo que se esperava e que aparentemente outros pais conseguiam eles não eram capazes de conseguir.

Paulo Mattos, no seu livro “No mundo da Lua”, aponta que o Transtorno tem múltiplas causas. Mas os últimos estudos apontam forte participação genética no transtorno. 

Chamado de poligênico, vários genes em conjunto dão origem ao transtorno. Esses estão relacionados à produção de dopamina e noradrenalina, substâncias essenciais para a comunicação entre os neurônios, gerando alteração nos circuitos cerebrais. 

Cinco áreas diferentes do cérebro estão envolvidas no TDAH, especialmente a região pré-frontal, responsável por coordenar e ajustar o comportamento social, controlar impulsos e pelas funções executivas.

Como fazer o diagnóstico do TDAH?

O diagnóstico do TDAH é dimensional. Isso quer dizer que os sintomas podem ser observados em diferentes graus em qualquer um de nós. Todo mundo tem algum sintoma de inquietude e desatenção, mas algumas pessoas têm esses sintomas em níveis acima do esperado do que se observa na população e em vários momentos da vida.

O diagnóstico é exclusivamente clínico e pode envolver profissionais de diferentes formações de acordo com as queixas apresentadas. (neurologista, psicólogo, neuropsicólogo, fonoaudiólogo). 

O importante é entender que não existe um exame físico que possa indicar esse diagnóstico. A escuta, a observação dos profissionais envolvidos somados ao relato familiar e, na grande maioria das vezes, do relato escolar. permitem uma maior segurança para a conclusão do diagnóstico.

Como é feito o tratamento do TDAH?

O tratamento também é multidisciplinar e envolve profissionais distintos, relacionados à expressão e ao nível de sintomas e ainda às necessidades de adaptações a cada um. 

É fundamental o entendimento de que em alguns casos as crianças fazem uso de medicamentos e, ao contrário do que é falado pelo senso comum, esses fármacos são indicados como aliados essenciais ao sucesso do tratamento. 

É claro que precisamos considerar cada caso individualmente e esses necessitam da prescrição e do acompanhamento médico.

Qual o papel da escola diante de um aluno com TDAH? 

Para o aluno portador do transtorno, a escola pode ter uma participação ampla e ativa nesse processo. Desde a identificação até o tratamento, a escola pode contribuir de forma significativa. 

É na escola que o aluno pode ser observado em situações diversas: lazer, atividades individuais, em grupo, na interação com seus pares, com adultos, o que possibilita um repertório extenso de comportamentos que podem ser de fundamental importância para a construção do diagnóstico.

Uma vez consolidado o diagnóstico, a escola pode e precisa ter uma postura acolhedora ao aluno, à família e à própria equipe, para que juntos encontrem estratégias que ofereçam à criança ou adolescente um ambiente de aprendizagem adaptado às suas necessidades. 

Começando pelo acolhimento, esse aluno pode ter adaptações em sala de aula que incluam o lugar em que ele se senta, a maneira de despertar a atenção desse aluno para que ele consiga manter o interesse e a concentração nas atividades propostas, o reforço diante do esforço e de pequenas conquistas. 

Outras estratégias podem ser adotadas, como a presença de mediador durante as aulas, e até mesmo adaptação de currículo e de material. Nas avaliações, esse aluno pode ter tempo estendido para a conclusão das avaliações, bem como avaliações adaptadas, mediadores, ledores, correção diferenciada, e ainda outros.

Conclusão 

Precisamos reconhecer que a evolução da ciência trouxe à luz a revisão de conceitos antes relacionados a escolhas, limites opressivos e padrões unificadores. Dessa forma, novas oportunidades surgiram modificando o cenário e a vida de pessoas acometidas pelo TDAH.

O TDAH, nas últimas décadas, aparece cada vez mais elucidado, em razão das pesquisas e consequentes transformações de pensamento e atitudes da população. Ainda assim, é preciso caminhar ainda mais. 

É preciso que seja conhecido para além dos muros científicos. O assunto precisa ser falado nas escolas, chegar nas famílias. Profissionais precisam ser capacitados para reconhecerem sinais em potencial e de forma precoce atuar minimizando prejuízos e danos relacionados às particularidades de cada história.

A atuação juntos aos casos de TDAH ganha corpo e amplitude diante da união de especialistas – psicólogos, neurologistas, educadores – e, sobretudo, das famílias.

Somente a integração responsável, avessa a negacionismos, pode alcançar diagnósticos seguros e, por conseguinte, terapias eficazes.

Referências

Mattos, Paulo. No Mundo da Lua: 100 perguntas e respostas sobre o Transtorno do Déficit de Atenção, 17 ed, Belo Horizonte, Autêntica 2020

Barkley, Russell A. TDAH Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade, 1 ed, tradução Luís Reyes, Belo Horizonte, Autêntica, 2020.

Lei n° 14420/2022- https://presrepublica.jusbrasil.com.br

Lei n° 14254/2021- https://presrepublica.jusbrasil.com.br

ABDA - https://tdah.org.br

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Escrito por
Claudia Ferreira

Psicóloga pós-graduada em Psicopedagogia, Claudia possui 30 anos de experiência em psicoterapia com foco em crianças e adolescentes. Desde 2010, atua como psicóloga da rede de ensino Pensi (Eleva), no Rio de Janeiro.

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