A criatividade é uma habilidade importante da vida. Muitas pessoas ilustres são admiradas por apresentarem um nível de criatividade que as diferencia do resto das pessoas e promove sucesso e realizações.
Ela é considerada uma competência fundamental para lidarmos com os desafios desse século de tantas incertezas e velocidade no acesso de crianças e jovens às informações.
Mas uma pergunta comum, especialmente na criação de crianças e, muitas vezes sem respostas, é de onde vem essa habilidade? É um dom? Nascemos com ela? Ou será que desenvolvemos ela ao longo da nossa trajetória?
Dom ou habilidade desenvolvida?
Desde 2017, a ONU declarou o dia 21 de abril como o Dia Internacional da Criatividade e Inovação, de forma a conscientizar sobre a importância da criatividade no desenvolvimento humano. Nessa data se homenageia figuras reconhecidas pela nossa sociedade e que se destacam por sua atuação criativa, como Tarsila do Amaral, Steve Jobs, Leonardo da Vinci, Walt Disney e outros.
Mas apesar de artistas serem os primeiros nomes que veem à nossa mente quando falamos de criatividade, essa não é uma habilidade exclusiva dessas pessoas. Existem milhões de pessoas que usam a criatividade para resolver problemas simples no dia a dia e se destacam por sua atuação criativa.
Mas a dúvida que não quer calar é: criatividade é um dom, onde nascemos com mais dela do que outras pessoas?
Diferente do que muitos pensam, os especialistas e estudiosos do assunto consideram que a criatividade não é um dom e pode ser desenvolvida.
O que dizem os especialistas?
Não é possível responder a essa questão sem definir o que se entende por criatividade. A criatividade pode ser definida como um potencial em criar formas novas e diferentes para lidar e resolver as situações de problemas através da adaptação e das soluções inéditas.
Esse potencial é comum a todos os seres humanos, mas a atualização desse potencial apresenta relação direta com as oportunidades, as experiências, a motivação e os estímulos recebidos ao longo da trajetória de cada um.
Vygotsky, psicólogo e pesquisador do desenvolvimento humano, entende que a criatividade é um processo psíquico que vai sendo construído associado à imaginação, à memória, ao pensamento e ao brincar.
Para ele, a criatividade é resultante da interação do indivíduo com o meio que ele vive. Dessa forma ele contraria a crença de que seja um dom ou privilégio de poucos, e sim, como dito anteriormente, uma habilidade socioemocional que pode ser desenvolvida e cultivada.
Freud considera que a criatividade está relacionada ao brincar infantil. A criança ao brincar reproduz aspectos da realidade acrescida de algo só seu, sua imaginação, que é estruturada a partir de seus desejos.
Nesse processo, a criatividade não assume um lugar de dom isolado. E para eles, Freud, Vygotsky e outros estudiosos, esse processo acontece quando o sujeito imagina, combina e modifica a realidade.
E não pode estar limitada à grandes invenções ou obras de arte que supervalorizam uns e subtrai a oportunidade de tantas outras pessoas que conseguem no seu dia a dia combinar essas funções e atualizar seu potencial em experiências simples, porém recheadas de conteúdo criativo.
Para esses estudiosos, quanto mais diversas forem as experiências que as crianças vivenciam, mais são as possibilidades de desenvolverem a imaginação e a criatividade em suas ações, especialmente através de suas brincadeiras. E, quanto mais possibilidades tiverem de desenvolver sua imaginação, mais criativas serão nas suas ações e interações com a realidade.
Um estudo recente da Universidade de Harvard reafirma as ideias de Vygostsky e Freud a respeito da criatividade, considerando que 85% é resultado de treinamento e apenas 15% restante é decorrente de uma aptidão natural. Esse mesmo estudo ressalta que a criatividade não acontece sobre uma folha de papel em branco, mas que as experiências anteriores e o conhecimento acumulado fazem a diferença em relação a responder a uma situação problema de forma criativa.
Qual a relevância da criatividade no desenvolvimento de crianças e adolescentes?
Mauro Muszkat, neuropediatra e professor da Unifesp, aponta a criatividade como uma habilidade socioemocional que possibilita a crianças e adolescentes um aumento significativo na capacidade de lidar com situações difíceis e frustrantes.
Associada à imaginação e ao pensamento, a criatividade se constitui como uma uma habilidade superior, que faz surgir novas conexões entre diversas áreas da mente e contribui para a formação de redes neurais e de memória, com efeitos de longo prazo.
Crianças e adolescentes podem desenvolver a criatividade e essa se tornar uma importante ferramenta para adaptação na sociedade e para a promoção da saúde mental.
Por esse motivo, pais e educadores desempenham um papel importante nesse processo de criar condições que proporcionem o desenvolvimento da imaginação, da curiosidade, e da flexibilidade com o objetivo final de promover a criatividade em nossas crianças e jovens.
O papel da escola no desenvolvimento da criatividade das crianças e adolescentes
A escola é um ambiente rico em interações sociais que pode contribuir de forma significativa para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, e entre elas, a criatividade.
A principal forma de estimular esse processo está relacionada ao incentivo e valorização das ideias e da imaginação da criança, permitindo e acolhendo suas produções. Nesse caso, crianças e adolescentes ocupam um lugar de protagonistas em sua história e na construção de sua subjetividade.
Além disso, as escolas devem estimular a curiosidade de seus alunos, para que eles busquem a motivação necessária diante de desafios e situações problema do cotidiano.
Algumas pequenas ações contribuem com o desenvolvimento da criatividade dos alunos. Listamos algumas delas mais fáceis de serem aplicadas no contexto escolar.
- Apresente novos conteúdos em ambientes ou formatos diferentes. Abordar de formas diferentes um mesmo assunto favorece a flexibilidade de pensamento e, por consequência, a criatividade.
- Aprofunde o conhecimento dos temas estudados e apresente correlação entre eles e outras disciplinas. O conhecimento e a ampliação do repertório são fundamentais para que mais ideias surjam em torno de um assunto e mais facilmente formular uma aplicação prática para o problema que se apresenta como um desafio para o aluno.
- Promova a socialização e a troca de ideias entre os alunos. Ouvir e realizar atividades com pessoas que possuem experiências distintas é essencial para perceber outras interpretações e formas diferentes de lidar e vivenciar as situações e pode ser um excelente aliado a expandir as ideias, o conhecimento e o alcance de mundo de um aluno.
- Permita que o aluno participe e propicie oportunidade de escolhas durante as aulas. Para tal é necessário ouvir e acolher suas ideias com respeito e aceitação. O que não quer dizer que você permitirá que esse aluno possa fazer o que ele quer na hora que ele quer. Ao contrário, essa é uma boa oportunidade para explicar sobre regras, sobre limites e sobre a necessidade delas através de explicações claras e embasadas.
- Valorize a participação dos alunos em detrimento de acertos. Estimule a tentar e a desenvolver suas ideias em torno do assunto, mesmo aquelas potencialmente equivocadas, mas que possam contribuir para a organização e a flexibilidade do pensamento na busca da resolução de um problema.
- Permita que os alunos construam o final de uma história ou ainda estimule a construção de finais diferentes para uma mesma história.
E a família? Qual o seu papel no desenvolvimento da criatividade de crianças e adolescentes?
A família, primeiro vínculo da criança, desempenha uma função significativa nesse processo. Porém, precisa ser um exercício constante, pois como já foi comprovado em pesquisas, o treino e a disciplina na continuidade de atividades que favoreçam o desenvolvimento da criatividade são fundamentais para a atualização do potencial criativo da criança e do adolescente.
As famílias precisam oferecer a possibilidade de expressarem suas ideias e sentimentos sem críticas ou julgamentos. Ouvir e prestar atenção no que a criança apresenta contribui para o desenvolvimento da organização das ideias e da coragem em se expor. O diálogo entre eles e suas famílias vai construindo os limites e a atualização do potencial criativo.
Abaixo, listamos algumas pequenas ações que podem contribuir para o desenvolvimento da criatividade nas crianças e adolescentes:
- Incentive e promova brincadeiras de faz de conta.
- Em alguns momentos da semana, fuja da rotina e apresente à criança ou adolescente uma forma diferente de resolver o mesmo problema.
- Promova brincadeiras e atividades com colegas, favorecendo a interação entre eles.
- Permita que as crianças e adolescentes experimentem diferentes sensações. Para crianças menores, cores e texturas. Crianças mais velhas e adolescentes podem experimentar diferentes sensações através de ambientes diferentes.
- Incentive a curiosidade através de brincadeiras ou acesso à informação, estimulando a pesquisa sobre assuntos de interesse da criança e adolescente.
- Incentive o hábito da pergunta e estimule a construção de ideias e opiniões.
- Permita e estimule que a criança tenha tempo livre.
- Use desafios para estimular e valorizar as tentativas e o esforço na resolução de problemas.
Conclusão
A criatividade das crianças e adolescentes pode ser desenvolvida através de ações simples no cotidiano escolar e no seio das relações familiares. Pesquisam recentes apontam que o mercado de trabalho valoriza e absorve com mais interesse pessoas criativas e estima-se que essa habilidade estará ainda mais valorizada no mercado de trabalho nos próximos anos.
Então, é hora de começar a direcionar ainda mais nossa atenção a essa habilidade, que nos diferencia e oferece oportunidade de autenticidade e liberdade de ideias e sentimentos. E que tal, o início poder ser um convite a refletir e conversar com outras pessoas sobre o que foi lido nesse texto?
Referências
https://www.spsp.org.br/2022/04/20/dia-mundial-da-criatividade-e-inovacao/
A CRIATIVIDADE INFANTIL NA PERSPECTIVA DE LEV VIGOTSKI* | Revista Inter Ação (ufg.br)
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