Saúde mental

A saúde mental do aluno pós-pandemia e o papel da escola

A pandemia e o isolamento causaram grande impacto na saúde mental de crianças e adolescentes. Descubra qual é o papel da escola e como lidar com esse desafio.

A escola é a segunda grande instituição social da qual os indivíduos fazem parte e o lugar de construção de relações sociais importantes. É o primeiro contato das crianças além do nicho familiar. 

Muito além da aprendizagem formal, é na escola que se constroem a compreensão de direitos e deveres, a formação de hábitos e a noção de respeito às diferentes ideias e opiniões. Dessa forma, a escola exerce significativa diretriz no alicerce da saúde mental de um indivíduo.

O distanciamento da sala de aula durante os últimos anos impactou de forma significativa a saúde dos alunos. Notícias recentes na mídia relatam surtos coletivos de ansiedade e tentativas de suicídio de adolescentes nas escolas. 

Entre os mais novos, é comum ouvir queixas de indisciplina, agressividade e atrasos no desenvolvimento de habilidades sociais, motoras e cognitivas.

Vamos entender melhor os efeitos e qual é o papel da escola na saúde mental de crianças e adolescentes no pós-pandemia?

Como tudo começou

Em março de 2020, com o anúncio da pandemia da COVID-19, o mundo se curvou diante de uma experiência sem precedentes que impôs políticas de isolamento social.

Aqui no Brasil, incialmente optou-se pelo fechamento das escolas por 15 dias. Nesse primeiro momento, talvez por mecanismos de defesa e rejeição ao que se anunciava, estudantes vivenciaram como uma extensão de suas férias recém terminadas. 

Esse período passou e o isolamento se estendeu, já denunciando incertezas e temores diante de uma atmosfera de prejuízos e danos à saúde mental de toda a população, incluindo as crianças.

Foi então que as escolas perceberam que podiam fazer uso de instrumentos anteriormente rechaçados do ambiente da sala de aula. E, em poucos dias, a escola instalava-se dentro dos lares. Famílias, com todas as suas limitações, fizeram-se escola. 

Professores que anteriormente utilizavam a tecnologia de forma rudimentar, baixaram aplicativos de reuniões e rapidamente ministravam aulas online, tentando de todas as formas superar as limitações do modelo e da própria falta de intimidade com o formato. 

O desafio era aproximar seus alunos de um ambiente que oferecesse algo que simbolizasse crescimento e continuidade de desenvolvimento. 

Nesse momento, famílias e professores em papéis invertidos, além de todo o estresse, apresentavam sinais de esgotamento físico e mental, alguns inclusive apresentando sintomas de burnout.

Os efeitos atuais da pandemia na saúde mental dos alunos 

Dois anos depois, com a reabertura das escolas, os estudantes encontram-se tentando se reerguer de um período que, utilizando uma analogia, podemos denominar de “sobreviventes em um período pós-guerra”. 

Múltiplos são os danos que cada indivíduo traz consigo após um período tão abrupto. Privações, perdas, luto: tudo o que já faz parte das trajetórias, porém, intensificado e compactado em dois anos. 

O confinamento aboliu o contato com a diversidade social e trouxe atrasos relevantes nas esferas linguística, psicomotora, e socioemocional afetando a saúde desses estudantes. 

Mas muitos efeitos diferem entre as faixas etárias desses alunos. Vamos aprofundar em cada uma delas?

Educação infantil

Muitos nasceram durante a pandemia e tiveram a possibilidade de vivenciar seus primeiros meses de vida mais próximos de seu núcleo familiar. Mas, como sempre, a dicotomia: mais convívio, porém mais dependência. Daí a insegurança tão presente nas crianças e nas famílias. 

Muitas das crianças que hoje frequentam a escola até então só se relacionavam com seu núcleo familiar de origem. Privadas do contato com outros familiares, com o convívio de outros da mesma idade nas creches, nas pracinhas, nas comemorações de aniversário, iniciam sua trajetória escolar apresentando atrasos nos marcos de desenvolvimento infantil. 

Não tiveram oportunidade de observar outra criança e tentar imitar, nem tão pouco de ter um brinquedo tomado de suas mãos por um coleguinha, de lidar com a frustração de ter que esperar sua vez de falar para obter atenção da professora, de correr na frente de outro para chegar antes ao destino desejado, entre tantas outras situações que garantem o desenvolvimento das necessidades básicas emocionais da criança.

Os profissionais das escolas têm percebido o déficit que as crianças que atualmente estão nas classes de Educação Infantil apresentam, principalmente no aspecto psicomotor, acarretando prejuízos perceptíveis em atividades simples do dia a dia, como descer uma escada, subir em um brinquedo, e até na coordenação motora fina, onde são erguidas habilidades e competências, base fundamental para a aprendizagem dos anos futuros. 

A ausência da relação com seus pares nesse período pandêmico traz como consequência direta crianças mais individualistas, com maior dificuldade no estabelecimento de vínculos e um atraso na aquisição e uso da linguagem. 

Com isso, crianças com expressão predominantemente corporal em etapas que a linguagem já costuma ser utilizada como mediadora das situações, têm trazido desafios para os profissionais de educação.

Ensino fundamental

Já nos anos iniciais do Ensino Fundamental, a peça-chave tem sido em torno da alfabetização: existem lacunas significativas para os alfabetizados a distância.  

Muitas delas apresentam situações de extrema ansiedade diante das avaliações formais de aprendizagem, e temos vivenciado o aparecimento de quadros com tiques e comportamentos compulsivos. 

Em decorrência, temos nos deparado com casos de depressão infantil. Além dela, o pilar “concentração” assume relevância, já que o contato com as telas em demasia e a ausência de uma rotina extradomiciliar causaram enormes distorções para o reajuste à rotina presencial, entre elas, o adiamento das satisfações. 

Essa também é a época que insere esses alunos no pertencimento aos grupos sociais. É marcada pela instabilidade de humor, pela dificuldade de aceitação e reconhecimento às mudanças do corpo e ao mesmo tempo por um “boom” cognitivo que os insere na busca de um lugar de autonomia, de oposições e divergências de opiniões das figuras parentais.

Essas crianças e adolescentes privados desse contato não vivenciaram oportunidades que possibilitam experiências e criam um lugar de transição, questionador, entre a infância e a maturidade, permeado pela autocrítica.  

Com isso, necessitam de respaldo em diversas esferas: relacional, cognitiva, emocional. 

Ensino médio

Muitos adolescentes, durante os dois anos de reclusão, acentuaram a individualidade, se refugiaram na tecnologia, e não conseguiram manter o foco nas aulas remotas. 

Desenvolveram quadros de ansiedade severos, aumento de crises de auto mutilação, associados a depressão e sentimentos de solidão derivados da ausência do convívio social. Tais quadros tem gerado entraves importantes no processo de aprendizagem e até mesmo na permanência dos alunos no ambiente escolar.

No retorno à escola, a cobrança proveniente da insegurança, as comparações, os conflitos entre os pares por falta de experiências, tem assumido proporções demasiadas. Entender a importância de flexibilizar processos e sistemas é fundamental para esse grupo.

Segundo as últimas estimativas disponíveis pela pesquisa da Unicef, pelo menos uma a cada sete crianças e jovens de dez a 19 anos convive com algum transtorno mental diagnosticado em todo mundo. 

Além disso, também mundialmente, cerca de 46 adolescentes morrem por suicídio a cada ano, uma das cinco principais causas de morte nessa faixa etária.

Ainda, por encontrarem-se no fechamento da vida escolar, vivenciam a pressão da escolha de uma profissão, a aprovação nos vestibulares, ou a inserção no mercado de trabalho. 

Desse processo, além de ansiedade, depressão, insegurança e receio diante do futuro próximo, tem sido frequente observarmos dentro da escola a urgência desses jovens em vivenciar as satisfações adiadas por esse tempo de pandemia. 

Com isso, temos presenciado além de quadros de transtornos mentais severos, o aumento do uso de drogas, álcool e entorpecentes.

E a escola, qual seu papel diante desse cenário? 

A escola, enquanto lugar de promoção de saúde e desenvolvimento dos alunos, tem como importante característica o fato de refazer conteúdos para poder resolver problemas e assim construir a verdadeira aprendizagem. 

Ela pode e deve ser a mola propulsora da transformação desse cenário. É na Educação que surge e nasce a esperança. Mas isso só é possível se novas práticas que valorizem o aspecto socioemocional forem utilizados como parte do desenvolvimento global do aluno. 

É preciso pensar em acolher como que num grande abraço todas essas dores e dissabores dessas crianças e adolescentes. Promover e restaurar a saúde mental de seus estudantes de forma a garantir o pertencimento e consequente reinserção do aluno nesse novo contexto escolar. 

O que fazer na prática:

Colaboradores

Um dos pilares principais para que a escola consiga atingir esse objetivo está relacionado a seus profissionais. A escola deve roporcionar um espaço de escuta onde esse profissional seja acolhido e possa falar de suas angústias, pois, ele também foi afetado pela pandemia em diferentes aspectos. Em um segundo momento, ela deve oferecer treinamento e capacitação continuada para que ele possa estar habilitado como agente promotor de saúde.

Essa capacitação precisará garantir conhecimento a cerca das etapas de desenvolvimento de uma criança e de transtornos existentes no universo escolar e assim através de um olhar atento perceber alterações nos marcos de desenvolvimento e sinais de transtornos ainda precoces. 

Alunos

O passo seguinte é encaminhar esses estudantes a profissionais especializados e as intervenções necessárias no ambiente escolar.

Devem ainda promover vivências de acordo com as características de cada faixa etária. Atividades de reflexão e espaços de escuta e troca entre os alunos através de dinâmicas, palestras, debates são indicadas para adolescentes e jovens. 

Atividades lúdicas e imaginárias para as crianças menores. Assim, o esperado é que eles possam sentir ter acesso a uma rede de apoio tanto com os profissionais da escola quanto entre eles, alunos.

E por fim, fechando um ciclo de sustentação da saúde emocional, viabilizar o engajamento familiar em uma parceria efetiva de fortalecimento de vínculo que assegure ao aluno confiança e contribua o para o seu desenvolvimento saudável.

Conclusão

A escola, espaço de “gentes”, respeito e saberes, consolida, desta vez, um espaço ainda mais integrador e transformador.  

Na escola, os indivíduos reaprenderão uma rotina “esquecida”, com todas as suas adequações e, sem dúvida, trarão mais do que um certificado de conclusão, um boletim ou um relatório avaliativo para a vida: trarão em seus históricos, indubitavelmente, a transição coletiva tão desafiadora para todos e cada um.

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Escrito por
Claudia Ferreira

Psicóloga pós-graduada em Psicopedagogia, Claudia possui 30 anos de experiência em psicoterapia com foco em crianças e adolescentes. Desde 2010, atua como psicóloga da rede de ensino Pensi (Eleva), no Rio de Janeiro.

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